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Entre cores e ícones: o papel do design na identidade visual do pop

  • Foto do escritor: Loop - Iasmim Teixeira
    Loop - Iasmim Teixeira
  • 5 de mai.
  • 10 min de leitura

Elementos estéticos e simbólicos, capas de álbuns e singles se tornaram um vetor essencial para narrativas visuais no universo da música pop, conectando arte, design, marketing e cultura

Por Iasmim Teixeira


Quando Thriller (1982), de Michael Jackson, surgiu com o artista em um terno branco sobre um fundo escuro, mais do que um álbum foi lançado: inaugurava-se uma era visual no pop. Décadas depois, Beyoncé resgataria esse poder simbólico em Renaissance (2022), surgindo montada sobre um cavalo cromado, cercada de brilhos e referências à estética disco. Em comum entre essas obras está o uso estratégico da imagem – da paleta de cores à iconografia – como forma de consolidar narrativas visuais no imaginário popular. Se antes a capa era apenas a moldura do vinil, hoje, ela é símbolo, manifesto e storytelling condensado em pixels.


No cenário contemporâneo, no qual a experiência musical é mediada por plataformas digitais, a capa de um álbum ou single torna-se uma miniatura significativa: reduzida nos aplicativos de streaming, mas amplificada em seu poder simbólico. Para artistas do pop, esse espaço visual é uma vitrine que comunica conceitos, valores, estéticas e até mesmo posicionamentos políticos. Antonella Jordão, 20 anos, estudante universitária, cantora e compositora, reflete sobre esse papel simbólico da imagem na experiência musical contemporânea.

“O design usa estratégias como imagens simples e diretas, cores que geram algum tipo de contraste e, principalmente, alguns símbolos que acabam se tornando a identidade de algum artista, por exemplo”.


No contexto da música pop, o conceito de "era visual" torna-se central. Cada novo álbum implica uma reinvenção estética, uma construção de nova identidade. Taylor Swift é exemplo emblemático dessa prática: em Reputation (2017), a estética gótica, as fontes serifadas e o predomínio do preto traduzem um discurso de enfrentamento e renascimento. Já em Lover (2019), a leveza do rosa pastel, os nós de arco-íris e a tipografia manuscrita evocam a suavidade romântica. Em folklore (2020), a cantora mergulha no cinza e na ausência de escrita explícita na capa para expressar introspecção e melancolia. Assim como as músicas, cada elemento visual compõe uma narrativa sensível e emocional, costurando imagem e som em um mesmo tecido expressivo.


Capa dos discos 'Reputation', ‘Lover’ e ‘folklore’ de Taylor Swift - Imagens: Reprodução/Instagram/TaylorSwift
Capa dos discos 'Reputation', ‘Lover’ e ‘folklore’ de Taylor Swift - Imagens: Reprodução/Instagram/TaylorSwift

Essa conexão entre estética visual e narrativa sonora demonstra que, no pop contemporâneo, tudo comunica. A experiência musical já não se limita à audição: ela é também visual, simbólica e emocional. Cada escolha de cor, tipografia ou composição gráfica integra a história que o artista deseja contar ao público. Pensar estrategicamente cada elemento visual tornou-se fundamental tanto para garantir resultados financeiros quanto para ampliar a divulgação, construir reconhecimento e fortalecer a identidade artística em um mercado saturado de imagens e sons.


Para compreender plenamente esse fenômeno, é essencial considerar a capa como um dispositivo de comunicação visual e uma poderosa ferramenta de branding e marketing. Como discutem João Paulo de Freitas e Izabela Soraia Duarte Costa em artigo Capas de Discos: entre arte, design e cultura, apresentado no V Seminário de Pesquisa em Arte e Cultura Visual (2021), a capa funciona como uma “porta de entrada para a experiência sonora”. Em tempos de consumo digital acelerado, a capa deixou de ser apenas um detalhe gráfico: passou a ser parte integrante da estratégia narrativa e comercial dos músicos, estabelecendo conexões emocionais que extrapolam a experiência sonora.


Nesse contexto, o design gráfico deixa de ser um simples adorno estético para se tornar parte ativa do discurso simbólico que envolve uma obra musical. Capas, videoclipes, logotipos e elementos visuais diversos constituem uma linguagem própria que auxilia na construção da identidade artística e na consolidação de narrativas sonoras. A seguir, aborda-se como o design – conceito profundamente contemporâneo e adaptável – reconfigurou tanto o modo como artistas produzem e divulgam seus trabalhos quanto a forma como o público consome e interpreta as novas obras do pop.


A era visual como narrativa pop


Muito antes de a primeira faixa tocar, é pela imagem que o público começa a entrar no universo de um álbum. As capas atuam como um prólogo visual, despertando sensações e estabelecendo o tom da narrativa sonora que virá. Para entender como essa relação é percebida por quem consome cultura pop de forma atenta, conversamos com Paola Bandeira, 19 anos, estudante universitária e entusiasta do gênero. Fã assídua de álbuns, videoclipes e lançamentos visuais de grandes nomes do pop internacional, ela observa que algumas capas se destacam justamente pela simplicidade e pela aproximação com o mundo real.

“Normalmente, uma capa mais simples, com toques mais realistas ou com poucos detalhes, chama mais atenção. É o caso das capas da Olivia Rodrigo, da Taylor Swift e do Harry Styles. Elas passam uma ideia de naturalidade, de verdade, e isso aproxima o público”, analisa.


Na visão dela, quando bem-construída, a identidade visual de um álbum antecipa a experiência musical, funcionando como uma ponte entre o conceito sonoro e o imaginário de quem escuta.

Há também elementos gráficos que se destacam por sua capacidade de comunicar o conteúdo de forma sensível e direta. Tipografias, paletas de cores, fotografias, colagens – cada escolha visual carrega intenções e emoções específicas, mas essas decisões não são aleatórias: seguem códigos visuais amplamente compartilhados na cultura pop, muitas vezes orientados por tendências e repertórios estéticos que o planejamento gráfico ajuda a consolidar. Ao ser questionada sobre o que torna uma capa de álbum visualmente marcante, Paola aponta que o impacto está justamente na capacidade de transmitir, de forma imediata, o sentimento das músicas.

Wasteland, Baby! (Hozier), Hit Me Hard and Soft (Billie Eilish), folklore (Taylor Swift). Em todas elas, a capa transmite o sentimento que as músicas querem passar. Só de olhar, você já se sente curioso pra tentar entender mais aquela emoção que a capa tá transmitindo”.


Capas dos discos Wasteland, Baby! de Hozier e Hit Me Hard and Soft de Billie Eilish – Fotos: Reprodução/Instagram/NoahKaranMusic e @billieeilish
Capas dos discos Wasteland, Baby! de Hozier e Hit Me Hard and Soft de Billie Eilish – Fotos: Reprodução/Instagram/NoahKaranMusic e @billieeilish

Para ela, o impacto visual não está apenas na beleza ou na ousadia, mas na coerência entre imagem e proposta musical. Quando esses elementos estão alinhados, a capa deixa de ser apenas um complemento gráfico e passa a desempenhar um papel ativo na narrativa do álbum, potencializando a experiência do ouvinte e reforçando a identidade da obra como um todo.


Artistas mudam de identidade visual ao longo dos anos como forma de marcar ciclos criativos, reposicionar suas carreiras ou explorar novas linguagens estéticas. Essa mutação reforça o conceito de “era visual”, mas agora sob uma nova perspectiva: a dos códigos gráficos que se transformam de forma intencional para acompanhar a narrativa sonora. Se, no cenário internacional, capas icônicas ajudam a consolidar eras visuais marcantes – como ocorre com artistas como Beyoncé ou Lady Gaga –, no Brasil, essa lógica também reverbera. Mesmo longe das grandes estruturas da indústria fonográfica, artistas independentes têm reconhecido o poder simbólico do design como ferramenta essencial para se comunicar com seu público, traduzindo em imagem o que muitas vezes começa como som e sentimento.


É a partir dessa lógica que a cantora Antonella Jordão compartilha sua experiência na construção estética de seu single mais recente, lançado com capa própria e direção visual pensada desde o início. Atuando no cenário nacional independente, ela revela como enxergou o papel do design gráfico no processo criativo de Awaken, música feita em parceria com o coletivo Rufus Creator, para a abertura do quadro Pipeline, no YouTube.

“Quis dar a Awaken uma mistura de sentimentos: a prisão interna, a frustração vinda de um ciclo contínuo de tentativas e erros, e o desejo de escapar e encontrar um lugar seguro. A música oferece um retrato íntimo da luta emocional e da busca por um sentido de paz e liberdade”, confirma Antonella.


Com uma metáfora visual que relaciona o eu lírico a uma borboleta de asas presas, a artista procurou representar, tanto liricamente quanto visualmente, o estado emocional de aprisionamento e o desejo de transformação. Para isso, a capa do single foi desenvolvida com atenção especial à ambientação e à paleta cromática: “Pensamos em um plano aberto e com iluminação azul, justamente pra trazer um sentimento mais melancólico”, pontua. 


A imagem, assim como a música, busca provocar identificação e sensibilidade no público, traduzindo em luz e cor a complexidade emocional do conteúdo sonoro.


Capa do single 'Awaken' de Antonella Jordão - Foto: Reprodução/AntonellaJordão
Capa do single 'Awaken' de Antonella Jordão - Foto: Reprodução/AntonellaJordão

É nesse ponto que o design deixa de ser apenas um recurso de divulgação e passa a atuar como parte ativa da escuta. A imagem, nesse contexto, ela orienta, intensifica e até transforma a forma como o público interpreta o conteúdo sonoro.


Levanta-se aqui uma hipótese importante: o visual molda a escuta. A forma como uma música é percebida pode ser diretamente influenciada por associações afetivas, ideológicas ou estéticas construídas a partir de sua identidade visual. A imagem da capa, o figurino no clipe, o lettering do título – tudo contribui para formar um campo de sentidos que ultrapassa o som. Quando há coerência entre essas linguagens, o impacto emocional da obra tende a ser mais profundo e duradouro. E no universo do pop, onde tudo comunica, essa convergência entre visual e sonoro se torna quase uma exigência para que a narrativa seja plenamente compreendida.


Essa percepção também é compartilhada por Antonella, que acredita que a imagem tem o poder de ampliar as camadas de sentido da música. Para ela, a capa pode influenciar diretamente a forma como o público entende e sente uma canção, mesmo antes de ouvi-la por completo: “Acredito nessa influência, pois a capa representa o primeiro contato visual com a obra e acaba criando uma expectativa no público, moldando o que ele espera ouvir”, afirma.


Ao compartilhar essa visão de dentro do processo criativo, a artista revela como o design gráfico funciona como uma linguagem complementar, capaz de guiar a recepção e a construção simbólica da obra musical.


Design, mercado e afeto


No universo da música pop, o design gráfico das capas ocupa um lugar estratégico, pois opera entre o mercado e o afeto. De um lado, é parte de uma engrenagem comercial que busca atrair o olhar e garantir espaço nos algoritmos e vitrines digitais. De outro, é um campo sensível, no qual o artista projeta suas emoções, subjetividades e intenções narrativas. Esse equilíbrio entre função estética, comunicacional e simbólica transforma a capa em algo maior do que um mero suporte: ela passa a ser um texto visual – uma mensagem carregada de sentidos que antecede e prolonga a música.


Essa complexidade simbólica foi reconhecida por Antonella, que vê a capa mais do que como uma simples imagem ilustrativa: como uma verdadeira extensão discursiva da obra musical.

“Assim como um texto escrito, a capa usa de elementos gráficos para transmitir um sentimento ao público, seja por meio de cores, da tipografia ou do enquadramento”, explica.


A partir dessa perspectiva, sobre os elementos gráficos que ela considera mais importantes na hora de comunicar sentimentos por meio da imagem, a artista revela: “Acho que a cor e o enquadramento são os elementos que mais influenciam na demonstração de um sentimento para o público. Por exemplo, usar cores mais frias, como azul e roxo, para transmitir solidão e tristeza. Ou utilizar planos abertos para trazer uma sensação de liberdade ou solidão, dependendo do contexto”.


As escolhas gráficas, portanto, não são apenas estéticas – são editoriais e afetivas. Cada detalhe visual comunica uma intenção, um estado emocional e uma narrativa. E, em um mercado em que a primeira impressão muitas vezes determina o clique, o design passa a ser também um campo de disputa simbólica: é ali que o artista se apresenta, se posiciona e se conecta com o público. Ao mesmo tempo em que atua como uma engrenagem de mercado, a capa é também um dispositivo narrativo, no qual os elementos visuais condensam sentidos, ampliam o discurso musical e aprofundam a conexão com o público.


Ponte entre estética e comunicação 


O design gráfico no pop não atua isoladamente como forma ou decoração. Ele estabelece uma ponte complexa entre a estética e a comunicação, entre o que o artista deseja expressar e o modo como o público recebe essa mensagem. As capas, os videoclipes, os logotipos, as cores e os estilos tipográficos funcionam como ferramentas simbólicas que não apenas ilustram a obra, mas ajudam a construir a imagem pública do artista e a consolidar sua presença no mercado.


A artista Antonella entende essa dimensão de forma clara. Ao ser questionada sobre como o design gráfico se relaciona com o marketing e a construção de imagem de um artista pop, ela destaca a intencionalidade por trás de cada escolha visual: “Pra mim, o design ajuda a criar a identidade visual de um artista por meio das cores, dos símbolos, das boas estratégias de marketing, entre outros”.


Essa noção de identidade visual compartilhada se reflete também entre fãs e consumidores atentos. Paola Bandeira, que acompanha de perto lançamentos internacionais, observa que muitos artistas recorrem a padrões estéticos recorrentes – como forma de manter certa unidade visual ou dialogar com tendências do momento.


“Muitas capas utilizam um padrão de cores, normalmente mais escuras – como nos álbuns do Sam Smith, Miley Cyrus ou Billie Eilish. Atualmente, parece que tudo ou é mais do mesmo, ou é algo extravagante, cheio de informação. Às vezes, é só uma foto simples do artista, mas colocada de um jeito ‘diferente’ para parecer original”, comenta.


As repetições, variações e ressignificações desses códigos visuais indicam como o design opera também como linguagem cultural, refletindo modas, discursos sociais e transformações na própria indústria musical. E, mais do que isso, comunica afetos. Ao tratar de cores, tipografias e enquadramentos, a artista volta a reforçar com um exemplo pessoal sobre o papel emocional dessas escolhas: “O álbum ‘When We All Fall Asleep, Where Do We Go?’ usa muito a cor preta e a branca e os elementos usados na capa acabam transmitindo uma sensação de inquietação e medo. Já no álbum ‘Happier Than Ever’, o uso de cores mais suaves, em tons pastéis, e a escolha de uma tipografia mais delicada e minimalista traz uma transição emocional e estética da artista”, conclui.


Capas dos discos When We All Fall Asleep, Where Do We Go? e Happier Than Ever de Billie Eilish – Imagens: Reprodução/Instagram/billieeilish
Capas dos discos When We All Fall Asleep, Where Do We Go? e Happier Than Ever de Billie Eilish – Imagens: Reprodução/Instagram/billieeilish

Na música pop contemporânea, som e imagem deixaram de ser campos separados. O design gráfico vai além de simplesmente acompanhar o produto musical: ele o amplia, o traduz e, em muitos casos, o antecipa. Entre estratégias de marketing, escolhas estéticas e afetos projetados, as capas de álbuns e singles se tornaram narrativas visuais completas – capazes de moldar a percepção do público, comunicar emoções e posicionar artisticamente quem cria.


Seja nos grandes lançamentos internacionais ou nas produções independentes do cenário nacional, a lógica visual que organiza o pop aponta para um fenômeno mais amplo: vivemos uma era em que a comunicação se faz também pelos olhos. E, quando um artista compreende a potência simbólica de uma cor, de uma letra ou de um enquadramento, ele não só reforça sua identidade, como também transforma cada obra em uma experiência sensorial completa.


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