Música como companhia e escapismo na Era Digital
- Loop - Gabriela Myller
- 5 de mai.
- 7 min de leitura
Pop Internacional e a possível Geração do Ruído
Por Gabriela Myller
Estudos indicam que o consumo de música está cada vez mais constante. De acordo com o levantamento de 2023 da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), pessoas passam em média 20,7 horas semanais ouvindo músicas, sendo o pop um dos gêneros mais consumidos globalmente. No Brasil, o índice ainda aumenta para 24,9 horas por semana.

A música como refúgio em tempos velozes
Os tempos modernos reformularam desde o pensar ao viver, dos costumes à identidade. Em um contexto marcado pela volatilidade, que, segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na expressão da “modernidade líquida” tudo parece instável, as pessoas buscam escapes imediatos para lidar com a efemeridade em atividades como o consumismo e o entretenimento, que oferecem sensação de prazer e controle a curto prazo — e a música pode ser uma delas.
Ao acompanhar mudanças decorrentes da implementação das novas tecnologias virtuais, seguimento mais contemporâneo da Revolução Industrial, vê-se o frenesi da vivência em sociedade por meio da agitação de dinâmicas em tentativa de acompanhar a velocidade de informações disponíveis, principalmente nas redes sociais. No mundo hiperconectado, caracterizado pela disponibilidade de acesso ininterrupto à comunicação, as tecnologias digitais se fazem intrínsecas a quase todos os aspectos da vida. “A música tornou-se uma companhia para jovens que buscam evitar o silêncio e a introspecção”, reflete a psicóloga e mestranda da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Isabela Teixeira.
Reféns do desenvolvimento dentro do contexto supracitado as últimas gerações, “Z” (nascidos entre 1997 e 2010) e “Alfa” (nascidos a partir de 2010 até 2024), que crescem em meio à explosão da globalização viabilizada pelos meios tecnológicos de proporções desreguladas e, por vezes, ilimitadas opções, têm nas músicas um produtor de escapismo.
Na atualidade a rotina é turbulenta e o raciocínio conflituoso o bastante para, possivelmente, não querer ser escutado. Estatísticas fornecidas pelo Relatório mundial sobre saúde mental de 2022, divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelaram que já em 2019 cerca de 1 bilhão de pessoas - sendo 14% dos adolescentes do mundo - viviam com um transtorno mental, dado que, ainda mais claramente adiante, seria previsão da crise de saúde mental global.
A rotina dos jovens hoje parece inseparável do som, companhia diária. Muitos recorrem à música como acompanhamento para desempenhar diferentes atividades, tornando-a uma presença constante. "Escuto enquanto estou jogando, estudando, trabalhando, comendo, andando, dirigindo, conversando, e até quando não estou fazendo nada", diz Juan Pablo Marçola, jovem de 20 anos graduando do curso de Administração da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que consome atualmente cerca de 6.000 minutos mensais de música, apesar de já ter atingido a marca de 12.000 minutos por mês.
Já Eduardo Vital, compositor e estudante do Ensino Médio de 18 anos, que consome cerca de 2 horas diárias de música, associa a prática ao seu envolvimento religioso. "Ouço música o tempo todo por conta do meu ministério na igreja", explica. Para ele, o ouvir também se estende ao lavar louças e arrumar a casa. Essa multiplicidade de usos reforça que a música extrapola a apreciação ou entretenimento, mas, na atualidade, é pontuada como ferramenta frequente durante todo o cotidiano, deixando pouco espaço para momentos de silêncio, ainda que feito de forma inconsciente.
Chegando a ser caracterizada como a “trilha sonora da vida”, por Scarlet Keys, professora do Berklee College of Music e ex-compositora da Warner Chappell, a música, enquanto elemento constante e marcante vem sendo, pela sua situação constante, banalizada no papel fundamental de arte que possui. “Apreciar música puramente como uma forma de relaxamento ou entretenimento é um desserviço a todas as coisas que a música nos ajuda a fazer.”, diz o professor de música da Universidade de Liverpool Michael Spitzer.
A fuga dos próprios pensamentos?
A música pode ser uma forma de escapismo emocional, especialmente para as novas gerações, mas o hábito não é unânime, pelo menos na prática consciente. "Acho que poucas pessoas dessa geração consomem música de forma única sem estar atrelada a outra atividade", opina Solano Anute, de 23 anos, graduando do curso de Gestão da Informação na UFU. Para ele, o consumo de música muitas vezes ocorre no modo automático, ainda assim, não necessariamente como um mecanismo para intencionalmente suprimir pensamentos. Ele próprio afirma ouvir música ocasionalmente como um refúgio, sendo recortes do que já viveu ou “nostalgia de algo que nunca existiu”.
Por outro lado, alguns reconhecem plenamente a fuga sonora. "Às vezes eu faço isso, em raras ocasiões em que estou me sentindo muito mal comigo mesmo", admite Juan Pablo, que enfatiza que sua relação com a música, mesmo por tantas horas, é mais recreativa.
Daniel Levitin, neurocientista, PhD e autor de “O Cérebro Musical”, argumentou no podcast “Falando de Psicologia” que “já estamos em um momento e uma época em que as pessoas usam a música como remédio. Elas usam a música da mesma forma que usam drogas. [...] um grande número de pessoas relata em pesquisas que está, na verdade, programando a música para se adequar a um resultado de humor desejado e, nesse sentido, está usando a música para regular o humor.” Sobre ouvir música com função de distração, Levitin diz ter a música a capacidade de distrair ou envolver de maneiras que outros estímulos não conseguem, sendo um estímulo multidimensional muito complexo.
“Nunca ouvimos tanto, mas nunca escutamos tão pouco.”, é o que argumenta a pianista brasileira Simone Leitão em vídeo próprio intitulado “Pare de Escutar Música”.
O impacto do pop internacional
A explosão do pop internacional, impulsionada pela ascensão do streaming, formato dominante de acordo com o relatório Global Music Report 2025, divulgado pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), intensificou o cenário de multifunções. Plataformas como Spotify e Apple Music utilizam algoritmos que prolongam o tempo de reprodução musical, eliminando pausas e incentivando um consumo contínuo. Tais plataformas são baseadas em algoritmos de recomendação que provaram ser a maneira mais eficaz para gerenciar e controlar a oferta e a demanda de conteúdo online, é o que fala o artigo “O impacto dos algoritmos no consumo de música” da Signos do Consumo de 2020.
“O trabalho da música pop é fazer dinheiro, fazer com que uma música fique na sua cabeça, fazer com que você a compartilhe com outras pessoas [...] existem três etapas para a música pop: mantenha simples, faça o que funciona, faça-a tocar em todo lugar”, observa Trace Dominguez em “How Pop Music Has Become A Science”. Sobre isso, destaca-se a homogeneização das músicas populares, sua vibração e progressões de acordes repetitivos e estrategicamente “viciantes”.
O pop internacional, como um dos estilos mais consumidos no mundo, está no centro do debate sobre a saturação sonora. Muitos entrevistados concordam que a popularidade do pop, somada à propagação frenética das redes sociais, faz com que grande parte das músicas sejam produzidas apenas para viralizar. "Muitas músicas hoje não são feitas para serem boas do início ao fim, mas para terem um trecho de 30 segundos que viraliza nas redes", observa Marçola.
Solano Anute aponta que a repetitividade do pop é parte da sua estratégia comercial. "O pop precisa ser popular e, para isso, se molda ao gosto do maior número de ouvintes possíveis. Sempre há um ciclo em que ele se torna mais do mesmo, e depois se reinventa absorvendo outros estilos", explica.
Victoria Oakley, CEO da IFPI, já afirmou “O papel essencial da música em tantas partes de nossas vidas é evidenciado pelo crescimento contínuo da indústria global”.
Temas recorrentes e identificação emocional
Além da hiperestimulação sonora, o pop moderno também aposta em fórmulas líricas para gerar identificação emocional rápida. Músicas que abordam superação, sofrimento e aceitação, como as de Billie Eilish, Olivia Rodrigo e The Weeknd, criam uma ponte direta com o público jovem, que vê nas composições um reflexo dos próprios dilemas mentais.
Analisa-se, nesse cenário, o que se escuta e o prolongamento do sofrimento disfarçado de procura por acolhimento em faixas musicais. De acordo com o estudo “Indirect effects of preference for intense music on mental health through positive and negative affect”, publicado na revista Psychology of Music, há a diminuição dos níveis de saúde mental provocada pela música intensa, que inclui os gêneros heavy metal, punk e rock. Um dos autores da pesquisa, o coordenador do Laboratório de Psicologia da Mídia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Carlos Pimentel, aponta: “A pesquisa mostra, claramente, o efeito da preferência musical na saúde mental. Verificamos que, quanto mais preferência por música intensa, maiores os níveis de depressão, estresse e ansiedade, e que essa relação foi mediada pelos afetos negativos”. Carlos também considera que o efeito da música é cumulativo.
Na reprodução e preferência mantida em relação aos lirismos negativos e enfoques situacionais emocionais específicos, exemplos do “efeito da mera exposição”, pontua-se a reflexão sobre a existência dos neurônios espelho no cérebro. “Enquanto espécie humana adoramos imitar o ritmo, [...]. Na faculdade instintiva de imitar - “mimesis”- , emoções, como bocejos, são contagiosas. Ao ouvir uma música os neurônios-espelho instintivamente simpatizam, imitam, espelham.”, explicou Michael Spitzer em “Music’s power over your brain, explained”.
A bolha emocional das playlists personalizadas
Outro aspecto que reforça o vínculo emocional com a música é a personalização das playlists. A inteligência artificial das plataformas cria seleções sob medida para cada usuário, com base no comportamento de consumo. Embora essa curadoria ofereça uma experiência imersiva, ela também pode gerar bolhas emocionais, dificultando o contato com diferentes estados psicológicos.
“Quando um indivíduo se expõe apenas a músicas de um único espectro emocional, há menos espaço para a regulação natural dos sentimentos”, afirma a psicóloga Isabela Teixeira. “A música pode ser uma ferramenta poderosa, mas precisa ser consumida conscientemente.”, diz Isabela.
Consumo equilibrado
A busca pelo equilíbrio pode evitar que a música, criada para ser arte e expressão, se torne apenas uma trilha sonora mecânica, impedindo que os ouvintes realmente apreciem o que estão consumindo, pelo menos é o que defende Isabela Teixeira. Quanto ao fenômeno da hiperestimulação sonora e como equilibrar o consumo musical sem transformar a música em um ruído anestesiante, a psicóloga articula: “Estratégias, como, limitar o tempo de exposição ao streaming, explorar gêneros musicais variados e inserir momentos de silêncio na rotina, podem ser eficazes”.
De acordo com Levitin, o prazer musical ativa o sistema opioide interno do cérebro, assim como os opioides que vem em forma de pílula, esses produtos químicos fazem você se sentir bem. Com isso, ao passo que promove prazer, a reprodução descontrolada pode ser usada nocivamente também como anestesiante, na intenção, ainda que não direta, de distração, que pode recair em tendências viciosas.
Embora a música seja um fator estudado, para Spitzer, é uma ótima maneira de registrar memórias, relembrar o passado, e expressar as emoções mais profundas da identidade. Para alguns jovens, a relação com a música continua positiva. Eduardo Vital vê o hábito como essencial em sua vida, sem perceber prejuízos. "Minha relação com a música é muito benéfica", afirma.
Loop - Aqui a música nunca para (mas talvez você 🫵🏻 devesse, pensar constroi!)
Comentários